Coração x Câncer: Qual é a relação?

Introdução

A associação entre o binômio câncer x coração vai muito além do que sugere o senso comum.

O normal seria pensarmos nas neoplasias que acometem diretamente o órgão, mas não é bem assim. Os tumores cardíacos são uma entidade rara, tendo uma frequência estimada menor do que 0,03%. Dentre esses, 90% são benignos e, portanto, não podem ser classificados como câncer. O “mixoma” é o mais comum deles, sendo responsável por 70% dos casos.

Sendo assim, tomando como base a baixa relevância da prevalência do câncer primário do coração, qual é a relação?

As doenças oncológicas vêm se tornando cada vez mais comuns ao longo das últimas décadas. Entretanto, com o avanço da ciência e dos tratamentos, a taxa de mortalidade referente às mesmas vem diminuindo e é cada vez mais comum encontrarmos pessoas curadas dos mais diferentes tipos de câncer.

Por óbvio, esses dados são extremamente positivos. Entretanto, também estamos tendo a oportunidade de conhecer, estudar e tratar de diversos efeitos colaterais provenientes desses tratamentos. Devido à maior taxa de sobreviventes e de tipos de tratamento oferecidos, os efeitos tóxicos dessas terapias podem aparecer como causa de mortalidade e piora de qualidade de vida na população acometida.

É exatamente aí que está a relação: O coração aparece como um órgão que, em frequência variável, pode ser alvo de efeitos colaterais desses tratamentos. A esse fenômeno damos o nome de cardiotoxicidade e ela pode se manifestar de diversas formas, as quais serão brevemente citadas mais adiante.

Todo paciente que irá tratar um câncer deverá procurar necessariamente um cardiologista?

Nem sempre. Os diversos tipos de paciente e de tratamento diferem entre si quanto ao risco de causarem cardiotoxicidade. Apenas os casos classificados com risco alto, muito alto e parte entre os de risco moderado devem ser acompanhados antes mesmo do início da terapia. 

Como exemplo, fazem parte desse grupo os seguintes pacientes:

  • Os que apresentam previamente doenças cardíacas importantes: insuficiência cardíaca, infartos prévios, doenças graves nas válvulas do coração, entre outras.
  • Os que apresentam mais de dois fatores de risco importantes para patologia cardiovascular (hipertensão, diabetes, tabagismo, colesterol alto, idade avançada, etc.)
  • Os que serão submetidos a altas doses de medicações que sabidamente acarretam alto risco de toxicidade cardíaca.
  • Os que já foram anteriormente submetidos a tratamentos oncológicos cardiotóxicos.

Além disso, qualquer paciente que apresente sintomas referentes ao sistema cardiovascular durante ou após a terapia (ex: falta de ar, dor no peito) deve ser referenciado a um cardiologista.

Quais são os principais efeitos relacionados à cardiotoxicidade?

Primeiramente, é importante ressaltar que existe uma série de quimioterápicos atualmente, os quais podem, em maior ou menor grau de frequência e gravidade, estar relacionados a diversos tipos de efeitos colaterais. Entretanto, existem associações mais comuns, e essas serão utilizadas como exemplos.

Insuficiência Cardíaca:

O enfraquecimento do coração com redução da capacidade de bombear o sangue é um dos efeitos colaterais mais estudados e temidos. O quadro tem o potencial de piorar consideravelmente a qualidade de vida do paciente devido a sintomas como, por exemplo, a falta de ar. Esse padrão de cardiotoxicidade é classicamente mais associado a medicações usadas para tratar o câncer de mama e alguns tipos de sarcoma. Esforços têm sido feitos com sucesso para tornar a disfunção cardíaca menos comum, como, por exemplo, o uso de doses menores dessas medicações, a tendência de não associação entre elas no mesmo tratamento, e o surgimento de drogas que ajudam a prevenir esse efeito colateral em perfis específicos de pacientes

Doença cardiovascular:

Os vasos do coração e de outros locais do corpo também podem ser afetados. Os pacientes podem cursar com dor no peito e, até mesmo, evoluir para um infarto agudo do miocárdio. Há diversas formas de acometimento, mas todas elas levam, em última instância, à diminuição do fornecimento de sangue para células do órgão acometido. As medicações que mais comumente podem ser associadas a tal toxicidade são aquelas ligadas ao tratamento das neoplasias do trato gastrointestinal.

Arritmias:

É importante ressaltarmos que cerca de 15-30% dos pacientes já possuem algum tipo de arritmia no início do tratamento, por motivos não relacionados ao câncer. Dito isso, alguns quimioterápicos podem levar a um maior risco de seu desenvolvimento em pacientes sem o diagnóstico prévio. Excetuando-se as extrassístoles, a fibrilação atrial é o distúrbio de ritmo mais comum no mundo, estatística essa que se mantém entre os pacientes oncológicos. Entretanto, existem outras que, ainda que menos comuns, possuem um potencial de gravidade maior. Exemplos de drogas que podem estar relacionadas são aquelas utilizadas no tratamento de algumas neoplasias hematológicas, como as leucemias.

Hipertensão Arterial:

A hipertensão arterial sistêmica é uma das doenças mais prevalentes na população mundial e isso não é diferente nesse perfil de pacientes. Entretanto, alguns quimioterápicos podem estar relacionados ao aumento pressórico em indivíduos previamente hipertensos ou ao surgimento dessa patologia em outros. Cabe dizer que é muito importante levarmos em consideração outros fatores que influenciam no aumento da pressão nos pacientes oncológicos. Podem ser citados como exemplos importantes o uso de corticoide e anti-inflamatórios, a dor e estresse crônicos que vários apresentam, entre outros que também devem ser manejados com atenção.

As patologias supracitadas estão entre as principais. Entretanto, existem outras que também podem ser encontradas referentes, por exemplo, às válvulas cardíacas, ao pericárdio e ao aumento do risco de trombose venosa.

A Radioterapia também pode gerar cardiotoxicidade?

Sim! A chance de efeitos colaterais pela radioterapia é diretamente proporcional a quantidade de radiação a qual o coração é submetido. Felizmente, as máquinas atuais conseguem fazer um direcionamento cada vez mais específico dos feixes de radiação para as áreas afetadas pelo tumor, quando isso é possível. Isso faz com que os órgãos adjacentes sejam poupados e a dose e a quantidade de radiação reduzida.

E qual é o tratamento para a toxicidade cardíaca?

Como em quase tudo na medicina, o melhor tratamento nesse caso é a prevenção!

Os fatores de risco cardiovasculares clássicos, como hipertensão, diabetes, tabagismo e dislipidemia, estão intimamente ligados ao aparecimento de cardiotoxicidade e à sua gravidade. Portanto, é de suma importância que estejam muito bem controlados antes mesmo do início do tratamento, principalmente os que possuem um maior risco intrínseco de efeitos colaterais.

Outro fator que sabidamente é de extrema relevância é a prática de atividade física. Ela, que é tão importante em tantas áreas, aqui também representa um pilar central e comprovado por estudos na prevenção de efeitos colaterais.

Além disso, como já ressaltado anteriormente, também deve-se dar preferência para a utilização cada vez menor de drogas com potencial cardiotóxico, na menor dose possível e evitando associação entre elas.

Entretanto, mesmo com todos os cuidados, teremos eventualmente o aparecimento de efeitos deletérios relacionados aos tratamentos. Uma vez instalados, cada um deles será abordado de acordo com suas diretrizes específicas. Independente disso, o manejo deve ser iniciado quanto antes, uma vez que a precocidade da terapia é preponderante na reversibilidade do quadro e na diminuição dos sintomas caso eles existam. Portanto, os pacientes de maior risco devem ser acompanhados de perto antes, durante e até mesmo após o fim do tratamento quimioterápico por um tempo variável de caso a caso.

Mensagem final: O avanço da oncologia vem proporcionando tratamentos mais eficazes e com uma maior taxa de remissão e cura dos mais diversos tipos de neoplasias. Ao mesmo tempo, eles podem trazer consigo potenciais efeitos colaterais para diversos órgãos e sistemas, dentre eles, o cardiovascular. Pacientes de risco moderado, alto e muito alto para cardiotoxicidade devem ser acompanhados de perto a fim de que, ao final dos tratamentos quimio e radioterápico, possam ter a segurança de seguir suas vidas livres do câncer e de qualquer outro efeito colateral associado ao processo.

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Dr. Pedro Velloso

Médico especialista em cardiologia
CRM: 52105161-0 | RQE: 49784

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